segunda-feira, 30 de setembro de 2013

BUDAPESTE 3



24.08.2013
Na viagem pela Europa Central, última etapa na Hungria.
 Mais uma excursão para ver Budapeste por todos os lados.
Começamos o dia no Mercado das Pulgas. Muitas lembranças de guerras, joias de todo tipo, bordados, tapetes, porcelanas e também casacos e capacetes militares marcados pelo tempo e pelas guerras. Ruth comprou uma bengala e com ela ganhou mais um toque em sua elegância. O castão da bengala é de prata com uma escultura do busto de um deus mitológico, não sei se magiar ou grego, mas muito belo.
Foram mais de duas horas, admirando peças de artesanato, quinquilharias de várias idades, bom e mau gosto no mesmo espaço. Tudo se expõe, tudo se vende e se compra.
Saindo desse local, fomos ver uma coisa impressionante: a Praça das Estátuas, museu a céu aberto alusivo ao período do regime comunista, quando a Hungria fazia parte dos países da Cortina de Ferro. Em contraponto à Praça dos Heróis, já mostrada neste blog, que é aberta, limpa e altaneira, manifestação do orgulho pelos feitos do passado,  a Praça das Estátuas está num local afastado do centro da cidade, fechada, cercada, triste.  


Diferenciando-se dos países do ex-Bloco do Leste que destruíram suas estátuas socialistas logo que terminou o regime comunista, os húngaros não se desfizeram dessa herança. Eles as retiraram dos  locais onde tinham sido colocadas pelos soviéticos e criaram um parque para preservar a memória histórica ao mesmo tempo em que se livravam de  conviver com elas no seu dia a dia, pois durante toda a dominação comunista elas ocupavam as grandes praças e ruas do país. São monumentos enormes e pesados, que trazem em seus títulos a intenção declarada de reverenciar o trabalhador e o patriotismo, mas que não conseguiram ocultar do povo a mensagem subliminar de opressão e intimidação. Essa praça parece gritar: Nunca mais! É especialmente espetacular e assustadora a cópia da base do monumento em honra a Stalin (foto) que, a partir do fim da Segunda Guerra, assombrava o centro de Budapeste. A estátua original foi destruída pelo povo, cortada na altura dos joelhos. As botas de bronze, por si só, já constituem um monumento gigantesco, imagine-se quando era inteiro.

Depois, fomos almoçar em um restaurante “pertinho” do hotel. A propósito, cabe um comentário sobre as medidas de distância na Hungria. Aqui o caminho se mede em minutos: os destinos pretendidos estão, por exemplo, a 5 minutos de distância. OK, vamos lá. Só se for de avião, porque a pé andamos, andamos, andamos, os minutos viram 10, 20, meia hora e ainda não chegamos. Parece a lenda da légua do matuto mineiro. Foi assim com o endereço do restaurante recomendado pela Portaria do Hotel. Realmente, era um ótimo restaurante, muito mais distante do que imaginávamos e muito caro, mas valeu o preço.
Na volta, para não nos arriscarmos a uma caminhada tão longa, Ary colocou sua mãe Ruth comigo num riquixá (eu fui de muito  boa vontade!) e nós aproveitamos bem a tarde maravilhosa num passeio pelas ruas planas reservadas a pedestres, com suas sorveterias, casas de chá ao ar livre e lojinhas charmosas.
Demos preferência a percorrer e frequentar o ambiente turístico da região onde estávamos hospedados, para aproveitar a segurança do trânsito de riquixás, pedestres e ciclistas. As distâncias não são curtas para pernas que já andaram muito ao longo da vida...
Com o grupo se dispersando, alguns foram a shoppings e descobriram o mundo maravilhoso das compras.
O único que se aventurou a pé a distâncias maiores, no calor escaldante do dia,  foi o Carlinhos na busca de exposições de arte e museus do palácio de Buda.

 
25.08.2013
Domingo! Dia claro de sol, muito calor.
Resolvemos enfrentar um programa que eu sempre olhava com certa inveja, mas nunca tinha tido  coragem de encarar: andar em ônibus aberto de turismo, com chapéu de plástico, tipo cowboy, distribuído na entrada do ônibus (a devolver na saída).

Foi um passeio muito divertido, alto astral. Fizemos todo o roteiro e confirmamos que já conhecíamos de vista os principais pontos turísticos da cidade, que agora víamos de novo ângulo, na parte de cima do veículo vermelho com assentos azuis: palácios, hotéis, residências de luxo, monumentos, igrejas de várias confissões religiosas, a bela sinagoga, tudo isto com narração em língua portuguesa pelos fones de ouvido. Com um bilhete a gente pode saltar do ônibus em qualquer ponto da cidade e retornar em outro ponto ou no mesmo, à vontade.
Completamos o passeio com refeição na Casa Brasil, na Andrássy. Foi uma decepção. Outro dia, uma parte do grupo tinha ido lá e fez altos elogios à comida, à picanha grelhada, ao verdadeiro churrasco brasileiro. Neste domingo, não sei se a casa estava cheia demais, mas o serviço não foi satisfatório. Um garçom brasileiro não deu conta de acumular suas tarefas normais com a função de tradutor para nosso grupo numeroso, pois os outros não falavam nossa língua e tinham dificuldade com o inglês. Enfim, lá na terra em que todo mundo nos entendia, não tivemos  sorte justamente num restaurante brasileiro!
Choveu levemente nessa tarde.
A experiência da noite foi reconfortante e delicada. Pudemos confirmar quanto acertada foi a escolha da localização de nossa hospedagem. Andando a pé pelas redondezas, à direita do Hotel, pode-se percorrer quadras cheias de charme, cada momento do dia com seu encanto, cada esquina com uma atração diferente, inclusive grupos de música ao ar livre. Caminhando ao tempo úmido que restou depois da chuva, fomos, Ary, Márcia, Ruth, Flora e eu, tomar um chá no famoso Café Gerbeaud de Budapeste.

Fundado em 1858 por Henrik Kugler, logo considerado um dos melhores cafés de Peste, esse estabelecimento foi o pioneiro a embalar docinhos e tortas acondicionados em bandejas de papel para levar para casa. Teve muitos clientes famosos, dos quais a casa se orgulha, entre eles o compositor Franz Liszt. O nome Gerbeaud (pronuncia-se gerbô) é devido ao confeiteiro Emile Gerbeaud, nascido na Suíça e com experiência na Alemanha, França e Inglaterra. Associando-se a Kugler, com grande talento e espírito empreendedor, modernizou o maquinário e criou novos produtos, mantendo no entanto a tradição das bandejas de papel que com o tempo foram evoluindo para a forma de caixas artísticamente decoradas. Aos poucos Gerbeaud comprou a parte do fundador, seu sócio. O nome Gerbeaud tornou-se sinônimo de qualidade na arte da panificação e confeitaria.



26.08.2013
Último dia em Budapeste.
Chove de manhã. Mas não faz mal: é preciso arrumar as malas, pois amanhã vamos passar à segunda etapa da viagem, mudar de endereço. A turma se dispersou logo ao café da manhã. Cada um por si. Tudo em ordem no apartamento, resolvi dar uma olhada no comércio local, nesta rua tão bonita, Vaci Utca, na zona pedonal ou seja de pedestres, centro de Peste. Gostei da palavra nova, pedonal, regionalismo português usado no informe turístico do hotel. Comprei um guarda-chuva e fui dar uma volta. Tinha a intenção de conhecer o metrô antigo, mas amarelei: não tive coragem de enfrentar sozinha os caminhos subterrânos onde nao entendo os letreiros.
De repente, surge o Ary, sempre criativo, fazendo propaganda da massagem tailandesa onde ele já levou a mãe. Claro que fui experimentar. Optei por uma massagem relaxante nas pernas, realmente uma delícia. Pena que não me lembrei de fotografar a cena.
À tarde, sempre de guarda-chuva, saí com Flora e o casal Ary /Márcia para conhecer o Mercado. Uma grande estrutura de ferro, comum em outros mercados no mundo e estações ferroviárias, cobertura total. O local é enorme. No primeiro andar, alimentos os mais variados e bem expostos – frutas, carnes, ervas, temperos, queijos, embutidos e muito mais. No segundo andar, com acesso por escada rolante, todo tipo de artesanato, tais como os bordados coloridos que se encontram por toda parte na cidade,  brinquedos, bonecas com roupas típicas, artigos de couro, sei lá mais o que. Saímos ainda com dia claro, pois o mercado fecha cedo, às 17 horas. 
Aproveitamos para explorar as ruas próximas com seu comércio e seus transeuntes: gatos, cachorros, gente da terra e turistas. Eu gosto de observar gente nas cidades que visito, mas a conversa estava tão boa que a atenção ficou dividida.
Budapeste é uma cidade antiga, mas muito moderna – não há incompatibilidade dos dois conceitos, quando o que manda é a vontade de garantir qualidade de vida ao povo e respeitar a história local. O calçamento das ruas é perfeito e até os bueiros são artisticamente decorados.(foto)
Uma coisa que me impressionou muito foi que todos os bares que têm mesas na calçada, deixam à disposição dos fregueses algumas mantas para que eles se protejam da brisa noturna ou de alguma mudança de temperatura. De manhã, os estabelecimentos estão fechados e as mantas cuidadosamente dobradas sobre as cadeiras. Os usários não as levam para casa, nem há mendigos para furtá-las na calada da madrugada. Não é espantoso?
As ruas estreitas não têm trânsito de ônibus, carros e caminhões; as avenidas largas têm fartura de transporte coletivo confortável e silencioso.
O episódio mais divertido do dia foi inesperado. Felizmente a chuva tinha acabado. Tinhamos decidido ir a um concerto e, para esperar a hora, ao entardecer, sentamos a uma mesa debaixo da marquise de um barzinho, recebidos por um senhor muito simpático e poliglota que se apresentou como Alfredo, em português. Conversa vai, conversa vem, ele se diz músico e professor de violino. Vai lá dentro e volta com um belo instrumento antigo, mas muito bem conservado. Para nos agradar e se exibir, ele toca algumas músicas e, em seguida, voltando-se para mim, diz que eu tenho que tocar, é minha vez. Por que eu? Como não sei tocar violino, ele afirma que é bom professor e eu aprendo em uma aula. Imediatamente me entrega o arco do violino e pede que o conserve bem firme em posição vertical, com a mão apoiada sobre a mesa. Nem tive tempo de recusar. Em seguida, ele segurou o violino com as duas mãos e o  esfregou contra o arco que eu segurava e, assim, tocou uma música vibrante. Ora, quem estava com o arco era eu, então quem tirava o som do violino era eu. Aprendi a tocar violino com uma aula só. Mas não me peçam para repetir a façanha, por que o professor está lá na Hungria e ele não me ensinou a tocar sozinha. Márcia gravou a cena no celular e, portanto, existe prova do episódio.

Para coroar o dia, depois de encontrar o Carlos, irmão mais novo do Ary que é advogado e músico, fomos a um concerto na Igreja de São Miguel, orientados por um panfleto que anunciava, em inglês, músicas de Mozart (A Little Night Music), Liszt (Hungarian Rhapsody nº 2) e Vivaldi (The Four Seasons - completa). Tratava-se de um conjunto de câmara, Duna String Orchestra, sob a regência de Gabora Gyula ao violino, com um som maravilhoso, favorecido pela acústica perfeita do templo. A igreja é dedicada a São Miguel Arcanjo, guerreiro de Deus. Mas o santo retratado lá no fundo do altar, podem ver, é São Domingos, criador da Ordem dos Dominicanos e incentivador da devoção ao rosário de Nossa Senhora. Depois dessa experiência estética que juntou a música à beleza do ambiente, saímos pela noite enlevados – eu, de minha parte, abençoada e grata de ter conhecido Budapeste em tão boa companhia. 
Amanhã, estrada em direção à Austria, passando pela Eslováquia - tudo bem perto, para nós, acostumados às dimensões continentais do Brasil. 

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