segunda-feira, 6 de maio de 2013

Vocação autoritária




Na quinta feira passada, dia 02.05.2013, eu recortei, do jornal O Tempo, um artigo do jornalista Acílio Lara Resende que toca em alguns pontos em que ando pensando muito ultimamente. Não se trata de novidade, nem parece que o autor pretende fazer grandes sacadas. Com simplicidade ele diz coisas que repercutem na minha consciência de testemunha da história nestes meus muitos anos de vida. Sob o título O PT já não consegue esconder mais sua vocação autoritária, ele comenta a falta de líderes realmente comprometidos com o bem comum e alerta para o fato de que o desprestígio da política está na ausência dessas lideranças. 

1 – O mote: A propósito da crise entre os Poderes Legislativo e Judiciário, que expõe nosso frágil regime democrático a sérios riscos, o autor lamenta a ausência de lideranças competentes e confiáveis, o que não é privilégio do Brasil, mas “é preciso dizer que o que hoje ocorre no Brasil superou todos os limites”. Refere-se, a propósito, ao livro “Sobre o Céu e a Terra” do Papa Francisco. Jorge Bergoglio, o papa da Igreja Católica, sugere que “o desrespeito ao trabalho político precisa ser revertido, porque a política é uma forma elevada de caridade social. O amor social se expressa no trabalho político para o bem comum.” E adverte: “Vejo permanentemente lutas de interesses e não tantas lutas pelo bem do próximo. Também não encontro instituições políticas que tenham uma profunda convicção para transformar a realidade. Percebo que só lutam para obter o poder e o antepõem ao indivíduo”. (O papa se refere ao seu país, mas nos atinge, diz Lara Resende).
Meu comentário: é um consolo ver nesta citação o que tenho ouvido em todo lugar, de pessoas de todas as origens e níveis culturais com quem mantenho contato pessoal ou virtual. Afinal, o pensamento presente nas conversas informais e na observação da realidade comum do brasileiro nas ruas e nos ambientes de trabalho aparece em letra de forma no livro escrito por ninguém menos do que o Papa e serve de mote a uma reflexão ponderada e séria de um articulista de respeito.

2 – A visão histórica: em seguida, embalado pelas palavras do Papa, Lara Resende viaja no tempo, reportando-se à  criação do Partido dos Trabalhadores, há 30 anos. Lembra que o partido que então se formava tinha o apoio e a colaboração de intelectuais e lideranças religiosas de peso, contava com a militância de trabalhadores sinceros e com o entusiasmo de jovens estudantes idealistas. Mesmo quem não se filiou ao partido, diz ele, na ocasião desejava que sua “trajetória fosse uma só – a de passar nossa velha política a limpo”.  E continua já em tom de decepção: “Todavia, isso não aconteceu na prática. O partido não apoiou Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, única saída, na época, contra a ditadura. Os petistas que votaram nele foram expulsos. Votou contra a Constituição de 1988, opôs-se duramente ao Plano Real e à Lei de Responsabilidade Fiscal, combateu sem tréguas o ex-presidente Sarney e, depois, teve a desfaçatez de apoiá-lo também sem tréguas”.
Meu comentário: o partido que nasceu como um sopro de renovação na política parecia mesmo ser o mensageiro de uma nova visão, de uma forma diferente de tratar a coisa pública, de dar voz a setores que não tinham espaço para se expressar. Até mesmo a contraposição à luta democrática na forma proposta pelo Colégio Eleitoral e pela Constituinte, poderia passar como coragem para expressar o desejo de lutar por solução mais radical para o retorno à democracia – uma posição de tudo ou nada. Era a rebeldia em sua forma mais agressiva, mas era possível dar àqueles novatos na política, o benefício da dúvida sobre sua intenção de construir uma nova ordem para o recomeço de uma história gloriosa. Durante anos, mesmo não concordando com aquela agressividade que me parecia descabida, eu achava possível crer que eles queriam mesmo passar a limpo velhos procedimentos e cacoetes da política nacional. Inexplicável no entanto, nesse contexto, foi a oposição ao Plano Real e à lei de Responsabilidade Fiscal, duas medidas de indiscutível valor para o bem do Brasil como um todo – capazes de, no primeiro caso, recuperar o valor, a credibilidade, o poder de compra e o respeito à moeda nacional, e, no segundo, restaurar a moralidade e o comedimento no trato da coisa pública. 

3 A verdadeira face: O articulista continua a acompanhar a história do PT até os tempos atuais, em que, então, tendo alcançado o poder por meio de eleições democráticas muito disputadas, o partido trai a sua história, tira a máscara e, nos melhores moldes autoritários, tenta investir contra a liberdade de imprensa e apoia os condenados do mensalão. Outras medidas também são citadas nessa linha de retrocesso em que anda o Brasil: a pretensão de retirar do Ministério Público o poder de investigação e de dar ao legislativo o poder de alterar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Meu comentário: os meios jurídicos reconhecem, por ser prática comum, o chamado “jus esperniandi”, expressão jocosa que designa o direito de espernear que toda pessoa tem quando está em apuros. É o que fazem os advogados, quando insistem com todos os recursos cabíveis e até mesmo com argumentos falaciosos, diante de uma causa perdida. Mas no caso do mensalão, esse direito de espernear é levado ao cúmulo do exagero. A luta contra a impunidade - o fato de que os ricos e poderosos nunca sejam condenados, situação odiosa que o PT denunciava - agora que os poderosos são eles, essa luta já não vale mais? Quando a justiça condena atos de improbidade e atos nitidamente criminosos, os juízes são acusados de terem uma atuação “política” e de cometerem injustiça contra pessoas que “merecem respeito pelo seu passado”. Ora, José Dirceu, Genoíno e outros já jogaram lama, há muito tempo, sobre sua própria história de luta contra a ditadura. A corrupção nas prefeituras, como no caso que provocou a queda de Palocci, deixou de ser um procedimento da política antiga e passou a ser válida só por que beneficia os “companheiros”? O uso de dinheiro público “fermentado” em contratos superfaturados para cooptar aliados e fortalecer a base do governo agora já não é crime, só porque é feito no caixa 2 do PT e aliados? Como explicar que Dirceu e Lula não soubessem e não participassem de nada disso? Ora, os réus foram julgados, condenados, terão direito a todos os recursos para espernear à vontade, mas dizer que são anjinhos e os culpados são os juízes, ora, é demais. Como é amargo o gosto de saber que a luta deles não era pela democracia, nem pela valorização do trabalho e do trabalhador. O jogo está claro: a disputa é pelo poder, por mordomias, por privilégios. Não mudou nada, apenas tudo ficou mais claro, pois, com o avanço da tecnologia da comunicação, os segredos ficam mais difíceis de guardar. É possível também que os valores envolvidos tenham crescido, ao estímulo do consumismo crescente e das ambições desmedidas insufladas pela impunidade.

4 - Crise moral: Completo o desabafo de hoje, com o seguinte trecho do artigo do professor Flávio Saliba Cunha, do mesmo jornal O Tempo, 04.05.2013: “A crise moral tem raízes, também, na ausência de comportamentos efetivamente democráticos. Como se sabe, o exemplo vem de cima. Se as famílias arruinadas não constituem bons modelos para os filhos, o que dizer da vida pública nacional? Se o primeiro governo petista teve o mérito de tirar milhões de famílias da miséria absoluta, suas práticas políticas em nada contribuíram para elevar os níveis de moralidade nas instituições públicas e, consequentemente, nas práticas individuais e coletivas”. E conclui: “Não vejo diferença entre o desperdício de dinheiro nas obras públicas inacabadas durante a ditadura e os desmandos na construção de ferrovias e na transposição do rio São Francisco, em pleno regime democrático”.
Meu comentário: A crise moral que alimenta a violência e deixa a população acuada tem suas raízes na falta de lideranças confiáveis e realmente comprometidas com o bem comum e o respeito pela lei e pelo bem público. Nossos líderes atuais - há de haver exceções, claro! -  cuidam apenas de seus próprios interesses, tentam fugir à responsabilidade de seus atos ilegais e imorais, não estão nem aí para seu dever de dar bons exemplos por serem representantes do povo que os elegeu.
É, Acílio, valha-nos Deus!

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