domingo, 26 de maio de 2013

Pra não dizer que não falei de flores....

Praça Nova York, 1961
Em 1961, o Bairro Sion já passara por mudanças,  mas ainda era praticamente uma extensão do Carmo. Não tinha nem ponto de taxi. Linhas telefônicas, muito poucas. Isto há de render, espero, muita inspiração para  histórias deste blog. Hoje, falamos de flores...
Muitos habitantes – com certeza a maioria - eram jovens, recém-casados ou com filhos pequenos. Entre os gramados e as flores da Praça Nova York, havia a maior concentração de carrinhos de bebê por metro quadrado da cidade, talvez do mundo. Tudo novo, iluminado de entusiasmo, marcado pela esperança. Nós tínhamos ainda apenas uma filha pequenina.



À tarde eu dava aulas, como fazia desde 1956, para turmas de pelo menos 30 alunos, no Grupo Escolar Municipal "Benjamin Jacob". De manhã dedicava-me toda  à função de mãe de uma família que se ampliava rapidamente - primeiro uma filha, depois dois e logo três...   
 Havia muitos terrenos vazios, quarteirões inteiros não urbanizados e cobertos de mato, com muitas curiosidades a explorar. 
Fazíamos passeios a pé pelas redondezas e voltávamos com as mãos cheias de aquisições: pedrinhas de cores e formatos diversos e uma variedade infinita de folhas e flores. Pesquisa básica de geologia e botânica ao ar livre. Flor vermelha, amarela, cor de rosa, branca, roxa - as crianças aprendendo a distinguir cores e formas, a natureza lhes revelando a seiva e a vida.

Foi de um desses lotes vagos que eu trouxe, logo no primeiro ano, um galho seco desfolhado para fazer uma árvore de Natal. Não era um pinheiro nórdico. Era uma árvore bem rústica, mas muito elegante,  parecia uma escultura - bem brasileira. Consegui um pouco de cimento numa obra ali perto, finquei o galho na massa dentro de uma lata revestida de papel brilhante, esperei a massa secar e pronto! Ali estava minha árvore, logo toda enfeitada com bolas coloridas, laçarotes de fita vermelha, estrelinhas de purpurina, uma lindeza! O primeiro Natal na nossa casa e, debaixo dela, os presentes para a filhinha que acabara de completar um ano!
Durante muitos anos, nossa casa foi enfeitada com arranjos de uma flor alaranjada que dá no mato com fartura e cobria de ouro os lotes vagos do Sion. As criancas e eu andávamos pelos quarteirões próximos, juntando flores e formando buquês para pôr numa  jarra antiga de cristal. Minhas tentativas de montar  arranjos de ikebana com elas nem sempre foram bem sucedidas, apesar do esforço. Essa florzinha manhosa, que me desafiava no equilíbrio da composição, era a flor do picão, aquela planta de carrapicho que agarra na roupa. Tenho muita gratidão pelo picão, pois quando tive hepatite, eu me banhava com raízes dessa planta escaldadas na água fervente – dizem que curam a icterícia. Era assim: minha cozinheira/arrumadeira/babá, cabocla lá dos lados de Governador Valadares, cheia de sabedorias da roça,  colocava, no fundo de um balde grande, um molho de galhos de picão arrancados do chão com a raiz (raízes bem lavadas, claro).
Depois, vertia sobre eles uma chaleira de água fervente e os macerava um pouco. Em seguida, acertava a temperatura com água fria e eu tomava banho de caneca, com cheirinho da erva. Não sei se foi isso que me curou (provavelmente foram as altas doses de medicamento receitadas pelo médico) mas o carinho com que a Joaci preparava o banho da pobre patroa doente, com certeza me fez muito bem.Ela cuidava de mim, dieta especial e tudo, mas me deixava a ler pilhas de livros para ir todo dia levar e buscar roupas das crianças que se refugiaram do contágio na casa da Vovó Lúcia (que anjo essa avó!). Essa hepatite me ensinou muito no silêncio da casa, na fartura de queijo fresquinho com goiabada - indicação médica de comer doce à vontade!!! - na solicitude carinhosa do marido, na saudade das crianças mesclada a um sentimento meio culpado de alívio pelos dias de repouso...

Nada se compara à delícia de ver os filhos crescerem em contato pacífico e estimulante com a natureza e com outras crianças, sem medo de andar a pé pelas ruas e de explorar o mundo a seu redor, com a alegria das pequenas descobertas, das primeiras conquistas e dos grandes sonhos.


Minha vida tem sido muito abençoada, com as alegrias e os desafios que são o encanto de cada etapa.   
O bairro já não é o mesmo, mas, o que posso exigir, se eu também já não sou a mesma? Aqui, nas lembranças e nas saudades, cada dia encontro novos motivos para viver, conviver, apreciar a beleza das coisas e das gentes.



Atenção:
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