27,28 e 29/05/2014
Saímos da tranquilidade de Helsinque para ingressar na Rússia por terra, enfrentando o aspecto pouco amigável dos fiscais de alfândega. Depois, muitos quilômetros de estrada boa cercada de pinheiros, como é comum na região. Nas proximidades de São Petersburgo, começam a aparecer edificações pesadas e grandes, com muitos andares mas sem elevadores, herança da política habitacional soviética. Casa para todos fornecida pelo governo - quem consegue dá graças a Deus, ou melhor, a Stálin. Bem escondidas atrás dos bosques, estão as famosas datchas dos poderosos, casas de campo que, na verdade, são bem simples. Nada que se compare ao luxo do império dos czares. Pode-se criticar a hipocrisia do discurso comunista, mas não dá para comparar os privilégios de sua elite à ostentação e riqueza da Rússia Imperial. O que nos mostra, como lição a fixar, que o ser humano sempre confundiu poder com exploração. Quanto mais tempo dura um regime autoritário, mais cresce o fosso que separa poderosos de seus súditos – ou camaradas! Mas, por favor, não vamos falar de política – para isto me faltam engenho e arte.
Logo que percebemos os primeiros sinais da grande cidade, como que sob o comando de uma deixa do ponto eletrônico, uma chuva fininha e persistente começa a nublar o céu e encharcar o solo. Assim, durante os três dias de nossa visita, São Petersburgo, uma das mais belas cidades do mundo, esconde em bruma e água, sua formosura e a alegria de sua gente.
Multidões de turistas lotam ambientes fechados de museus e igrejas |
São Petersburgo fica às margens do rio Neva, que nasce no lago Ladoga e lança suas águas, por meio de um delta de cinco braços, no golfo da Finlândia, no mar Báltico. Durante a Primeira Grande Guerra, teve seu nome modificado para Petrogrado, rejeitando a origem germânica do termo burgo. A partir de 1924, com a morte do líder comunista Lenin, passou a ser designada Leningrado. Um plebiscito em 1991 devolveu-lhe o nome original.
Esta cidade foi fundada pelo Czar Pedro, o Grande, em 1703 e tem sido palco de uma história de grandes intrigas, acordos, assassinatos, manobras as mais diversas. Foi capital do Império Russo por mais de dois séculos, com mudanças ao sabor dos caprichos de czares e imperatrizes. Por fim, perdeu esse título para Moscou, a partir de 1917.
Uma das colunas Rostrais homenagem aos grandes rios da Rússia |
O centro histórico da cidade e o conjunto das edificações ali existentes ganharam o título conferido pela UNESCO de patrimônio mundial da humanidade. É uma cidade cosmopolita em que se encontram inúmeros consulados estrangeiros, sedes de grandes empresas e bancos internacionais.
Localizada bem ao norte da Europa, tem apenas 70 dias solares por ano. E chove... Como chove!
Grande Hotel Europa |
Bar e sala de estar, interligando restaurantes |
Café da manhã |
Palácio Stroganoff |
O programa de visitas consta de castelos, palácios e igrejas. Comecemos pelas igrejas.
A visita à catedral ortodoxa de Santo Isaac da Dalmácia é obrigatória. No estilo pesado que caracteriza esse tipo de templo, decoração rebuscada em cores fortes, tem sua beleza nos detalhes, na riqueza do material utilizado e na simbologia de sua mensagem de fé.
Prédio enorme, de
cúpula dourada, levou 40 anos para ser construído, sob o comando do
arquiteto francês, Auguste de Montferrand, que dedicou quarenta anos de
sua vida profissional, inteiramente, a essa obra. Na ala lateral, perto
da entrada, está um busto em homenagem a esse arquiteto, esculpido com
pedaços dos granitos de várias cores usados na construção. Cabelos,
pele do rosto, camisa, gravata e casaco, cada um de uma cor diferente.
Catedral de Santo Isaac |
Outro templo interessante é a catedral da Mãe de Deus de Cazã, cujo nome se deve ao fato de ter sido construída para acolher a veneração e abrigar a imagem de Nossa Senhora encontrada na cidade de Cazã, no interior da Rússia.
Não há explicação do motivo pelo qual esse culto tenha mudado de cidade. Prédio majestoso, não parece uma igreja aos nossos olhos. Já funcionou como museu das religiões e memorial militar, mas desde o ano 2000 é a filial do patriarcado ortodoxo de Moscou.
Turistas diante da catedral |
Interior da Catedral de Nossa Senhora de Cazã |
Catedral do Sangue Derramado |
Mosaicos famosos |
Decoração preciosa |
Aqui vale uma observação muito relevante para quem está em passeio turístico, com as pernas cansadas de tanto andar: templos ortodoxos não têm bancos para os fiéis! Quem vai à igreja é para rezar, não para descansar no conforto das igrejas católicas romanas. Ora vejam!
Gradil rendado cerca o parque diante da Catedral do Sangue Derramado |
Igreja católica de Santa Catarina |
O único templo católico apostólico romano que conhecemos em São Petersburgo é a igreja de Santa Catarina, um prédio amarelo imponente mas sóbrio, perto de nosso hotel.
A riqueza dos templos que visitamos só é superada pela opulência dos palácios e castelos da nobreza imperial. A Rússia é grande e rica, tem ouro à flor da terra e sua atual fartura de petróleo, tão importante no mundo moderno, não era conhecida nem valorizada na época dos czares.
Vejamos agora, nos principais edifícios de valor histórico de São Petersburgo, a expressão mais evidente do poderio econômico da Rússia dos Czares, enfraquecido por suas próprias extravagâncias e finalmente derrotado pela revolução que resultou na ditadura comunista que durou quase todo o século XX.
Os efeitos da liderança russa na geopolítica da região, ao longo da história, nem sempre tem sido benéficos para os países que giram a seu redor como satélites. Resta saber que força será, um dia, capaz de vencer esse inexorável destino. Vale aqui ressaltar que o governo comunista, ainda que a contragosto e com algumas exceções lamentáveis, permitiu a preservação desse riquíssimo patrimônio, testemunha irrefutável de uma história que não pode ser esquecida, pelo bem e pelo mal que causou ao povo russo e, como lição, à humanidade.
A avenida Nevski corta a cidade e é a principal artéria do trânsito, quase sempre bem congestionado. Mas o cartão postal mais conhecido é a via marginal do rio Neva, formada pela sequência de cais ao longo do rio e margeada por edifícios históricos que abrigam riquezas impossíveis de descrever.
Prédio da antiga fábrica de máquinas Singer, fechada por causa da guerra com a Alemanha e atualmente ocupada por lojas e restaurante. |
Nas décadas de 1980 e 1990, a Rússia passou por
grandes mudanças, com a derrocada da economia do país durante e após o processo
de desgaste e consequente queda do regime comunista e da, até então, poderosa União
Soviética. Apesar de tudo, a vida cultural continuou vigorosa, nenhum museu foi
fechado na cidade. A UNESCO registra, em São Petersburgo, 36 complexos de arquitetura histórica e cerca de 4.000 monumentos históricos e culturais. A cidade tem, ainda, 221 museus, 2.000 bibliotecas, mais de 80 teatros. A prática do balé ocupa um lugar especial na vida cultural da cidade. Sua
escola de balé é uma das melhores no mundo.
Nas margens do rio Neva, o conjunto mais famoso: o Teatro, a ponte
sobre o Canal de Inverno, o Grande Hermitage, o Pequeno Hermitage, e o
Palácio de Inverno. |
Palácio de Inverno |
São Petersburgo é muito conhecida por seus grandes museus, e o mais famoso é o Hermitage, um dos maiores do mundo. As origens do Museu Hermitage remontam a 1754, por iniciativa da imperatriz Elizabeth Petrovna que iniciou a construção do Palácio de Inverno, uma residência em estilo barroco projetada pelo arquiteto Bartolommeo Francesco Rastrelli, com uma beleza destinada a ofuscar a de todos os palácios da Europa. Ao edifício original juntaram-se outros três – o Pequeno Hermitage, o Grande Hermitage e o Teatro Hermitage.
Galerias do Museu Hermitage: tapeçarias
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Adornos preciosos |
Porcelana e ouro |
Relógio: gaiola dourada do pavão |
Várias coleções de porcelanas em vitrines |
Raffaello |
Com a ascensão de Alexandre II, neto de Catalina II, o Hermitage foi declarado museu palaciano e aberto à visitação pública. O Imperador era um amante das artes e logo passou a aumentar a coleção. Após as guerras napoleônicas, a Rússia adquiriu (ou confiscou?), do inimigo derrotado, todo o acervo colecionado pela imperatriz Josefina de França.
Michelangelo |
Rembrandt |
Caravaggio |
Goya |
Outras aquisições se sucederam, com telas escolhidas em vários países e na própria Rússia. Durante as grandes guerras do século XX, a população se mobilizou para defender essa riqueza da cobiça dos adversários alemães. Sob o regime comunista, o acervo do museu foi acrescido de obras confiscadas de coleções particulares, mas também reduzido em nome de uma política de descentralização e valorização de museus menores espalhados pelo país - o que não é má ideia, afinal.
Ticiano |
Castelo de Verão de Catalina, a Grande
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Vestuário de época |
Não admira que tenham, com isto, atiçado a tomada de consciência das massas trabalhadoras e plantado, dentro do próprio sistema, o germe das teorias libertadoras e das rebeliões populares.
Mas o que encanta principalmente, nesse castelo, são seus lagos, pavilhões e vastos espaços artisticamente ajardinados. Se não fosse a chuva, que espetáculo belo de se apreciar!
Pequeno recital de música a capela, no pavilhão do lago |
Fachada de um pavilhão junto ao lago
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Escultura da imperatriz na entrada do pavilhão |
Cidade mais visível no mapa do que pelas janelas do barco |
São Petersburgo deixa saudade pelas belezas que vimos e um sentimento de frustração pelo fato de não termos podido sentir o pulsar da cidade, o jeito de ser de sua gente, a vibração da vida na rua e nas praças. A mais bela cidade do leste europeu está nos devendo a visão dessa face imaterial que complemente nossa percepção de sua real e completa beleza.
Como que por ironia, a manhã de nossa partida para Moscou surge bela e clara, com um pouco de sol e nesgas de azul despontando entre as nuvens. Vai ser um lindo dia para quem fica...
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