Hoje, dia 19 de novembro, é Dia da Bandeira Nacional.
vou transcrever aqui a letra do hino à bandeira, de autoria de Olavo Bilac.
Tenho saudade dos tempos de escola, a meninada toda no pátio, perfilada, cantando:
Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.
Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.
Recebe o afeto que se encerra,
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever;
E o Brasil, por seus filhos amado,
Poderoso e feliz há de ser.
Recebe o afeto que se encerra,
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Sobre a imensa Nação Brasileira,
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre, sagrada bandeira,
Pavilhão da Justiça e do Amor!
Recebe o afeto que se encerra,
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!
Gostaram? Ouvi este hino no rádio hoje e adorei o arranjo, forte e vibrante. De quem será a autoria da música?
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Falando em avaliação do Ensino Médio
Estamos vivendo momentos difíceis de entender, com as complicações do ENEM deste ano. Não sei como o governo e os alunos vão sair dessa. Tanta trapalhada, incompetência, desencontros de opiniões e interpretações! No entanto, me parece que as grandes questões ainda nem foram abordadas.
Grande conquista do Brasil conseguir montar um sistema de avaliação do Ensino Médio. Se no Ensino Superior temos Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), com “o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências”, é indispensável conhecer da mesma forma a situação dos alunos antes de entrarem nessa nova etapa.
Os critérios de avaliação do aluno nas escolas levam em consideração a sua própria proposta pedagógica, diferenciada e relativamente livre – desde que seguidos os padrões curriculares mínimos definidos nacionalmente. As notas no histórico escolar devem ser entendidas nesse contexto e, portanto, não têm como ser comparadas com as de outra escola. Para isto existe a avaliação externa, que pretende avaliar o resultado do ensino, usando o exame de desempenho dos alunos. (Uma conquista necessária é acrescentar a avaliação de outros fatores decisivos na qualidade do ensino, mas este não é meu assunto de hoje.) Quero refletir aqui sobre o uso que se está fazendo do ENEM, em seu estágio atual.
Para que serve a avaliação externa? Por que é tão importante?
A avaliação externa oferece a cada escola, pela aferição do rendimento de seus alunos, os parâmetros para conhecer como a instituição se situa no conjunto dos estabelecimentos similares, quanto ao ensino dos conteúdos curriculares e ao desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e competências próprias desse nível. Esse instrumento revela à escola seus pontos fortes e fracos, indicando os aspectos em que será preciso melhorar, ou aqueles que constituem o diferencial positivo a ser oferecido às famílias ao escolherem o colégio para seus filhos.
Os dados colhidos nessa avaliação são fundamentais também para subsidiar políticas públicas relacionadas à educação, possibilitando definir os investimentos em função das necessidades apontadas no estudo criterioso dos resultados das provas.
As famílias podem ter, no resultado publicado nacionalmente, as informações sobre a situação das escolas de sua região, identificando as que melhor atendem a suas expectativas de educação e, principalmente no que se refere à escola pública, aquelas em que é preciso mobilizar a comunidade para exigir melhor desempenho. A avaliação externa do ensino é, pois, uma fonte preciosa de informação para todos os interessados.
Tanto do ponto de vista das entidades mantenedoras – seja escola pública ou privada – quanto do ponto de vista do público e especialmente das famílias dos alunos, o ENEM, como instrumento de avaliação, precisa existir, ser prestigiado e defendido, o que não significa que já está perfeito. Deve ser sempre melhorado, corrigido, e aperfeiçoado, como tudo o que fazemos na vida. Do ponto de vista técnico já está no bom caminho, pela qualidade das questões apresentadas este ano – indicativas de uma proposta moderna e avançada de educação. Quanto à gestão...
Seu grande valor, porém, está ligado a um aspecto importante da concepção inicial desse projeto: não se trata de avaliação do aluno como indivíduo. Não se pode imaginar o sistema educacional empenhado numa empreitada de tal envergadura, apenas para comparar alunos entre si, fazendo um campeonato geral. Interessa sim, verificar como se saem as instituições de ensino na busca dos objetivos nacionais da educação básica, para encontrar meios de levá-las a melhorar, a sanar suas deficiências e encontrar seu caminho para o sucesso.
E aí está a fraqueza do ENEM em seu formato atual: travestido em competição para conquista de um lugar no Ensino Superior, ele se desvia de sua função mais nobre e cai nos mesmos erros já tão combatidos dos grandes vestibulares massificados: tremenda pressão sobre os alunos, gerando ansiedade e levando ao uso de recursos que acabam mascarando os resultados das provas para sua função principal.
Explico: em vez de mostrar nas provas o que construíram em sua trajetória pelos bancos escolares, os alunos que puderem vão se valer de cursinhos paralelos, nos moldes dos pré-vestibulares. Os que não dispuserem de recursos para uma despesa extra ficam em desvantagem. E, então, a prova, perde força para medir o rendimento do ensino, pois não é capaz de filtrar as distorções desse modelo perverso. Perde-se um valioso instrumento de avaliação e mantém-se a juventude refém dessa insana competição classificatória.
Por que será que os alunos têm que recorrer a cursinhos para vencer os desafios da Educação Básica? Ou a educação é básica e a escola comum tem que dar conta desse recado, ou estamos querendo mais do que o básico como critério de seleção. Mas o problema não é só esse. É que nossas escolas, não atingindo o nível desejável de desempenho, não têm meios de descobrir suas deficiências, já que os resultados das avaliações saem tão mascarados que não servem de base para coisa nenhuma.
O Brasil precisa encontrar a solução para oferecer oportunidade e estimular o ingresso ao Ensino Superior, tendo por fundamento uma Educação Básica de qualidade e considerando as aptidões, competências, expectativas e interesses dos candidatos.
O que não podemos aceitar, acima de tudo, é o país perder o tempo e a energia empenhada na concepção de uma avaliação importante do Ensino Médio, desperdiçando seu potencial de contribuição para ações objetivas para a melhoria desse mesmo nível de ensino. É um absurdo avaliar uma coisa pensando em outra.
Vejam que não tratei das questões pontuais que ocupam as manchetes, os debates e as manifestações causadas pelos desastrados eventos do último fim de semana. É que, para mim, o foco da discussão está equivocado. Precisamos encontrar outras formas de vestibular democrático sem enfraquecer o Ensino Médio.
Grande conquista do Brasil conseguir montar um sistema de avaliação do Ensino Médio. Se no Ensino Superior temos Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), com “o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências”, é indispensável conhecer da mesma forma a situação dos alunos antes de entrarem nessa nova etapa.
Os critérios de avaliação do aluno nas escolas levam em consideração a sua própria proposta pedagógica, diferenciada e relativamente livre – desde que seguidos os padrões curriculares mínimos definidos nacionalmente. As notas no histórico escolar devem ser entendidas nesse contexto e, portanto, não têm como ser comparadas com as de outra escola. Para isto existe a avaliação externa, que pretende avaliar o resultado do ensino, usando o exame de desempenho dos alunos. (Uma conquista necessária é acrescentar a avaliação de outros fatores decisivos na qualidade do ensino, mas este não é meu assunto de hoje.) Quero refletir aqui sobre o uso que se está fazendo do ENEM, em seu estágio atual.
Para que serve a avaliação externa? Por que é tão importante?
A avaliação externa oferece a cada escola, pela aferição do rendimento de seus alunos, os parâmetros para conhecer como a instituição se situa no conjunto dos estabelecimentos similares, quanto ao ensino dos conteúdos curriculares e ao desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e competências próprias desse nível. Esse instrumento revela à escola seus pontos fortes e fracos, indicando os aspectos em que será preciso melhorar, ou aqueles que constituem o diferencial positivo a ser oferecido às famílias ao escolherem o colégio para seus filhos.
Os dados colhidos nessa avaliação são fundamentais também para subsidiar políticas públicas relacionadas à educação, possibilitando definir os investimentos em função das necessidades apontadas no estudo criterioso dos resultados das provas.
As famílias podem ter, no resultado publicado nacionalmente, as informações sobre a situação das escolas de sua região, identificando as que melhor atendem a suas expectativas de educação e, principalmente no que se refere à escola pública, aquelas em que é preciso mobilizar a comunidade para exigir melhor desempenho. A avaliação externa do ensino é, pois, uma fonte preciosa de informação para todos os interessados.
Tanto do ponto de vista das entidades mantenedoras – seja escola pública ou privada – quanto do ponto de vista do público e especialmente das famílias dos alunos, o ENEM, como instrumento de avaliação, precisa existir, ser prestigiado e defendido, o que não significa que já está perfeito. Deve ser sempre melhorado, corrigido, e aperfeiçoado, como tudo o que fazemos na vida. Do ponto de vista técnico já está no bom caminho, pela qualidade das questões apresentadas este ano – indicativas de uma proposta moderna e avançada de educação. Quanto à gestão...
Seu grande valor, porém, está ligado a um aspecto importante da concepção inicial desse projeto: não se trata de avaliação do aluno como indivíduo. Não se pode imaginar o sistema educacional empenhado numa empreitada de tal envergadura, apenas para comparar alunos entre si, fazendo um campeonato geral. Interessa sim, verificar como se saem as instituições de ensino na busca dos objetivos nacionais da educação básica, para encontrar meios de levá-las a melhorar, a sanar suas deficiências e encontrar seu caminho para o sucesso.
E aí está a fraqueza do ENEM em seu formato atual: travestido em competição para conquista de um lugar no Ensino Superior, ele se desvia de sua função mais nobre e cai nos mesmos erros já tão combatidos dos grandes vestibulares massificados: tremenda pressão sobre os alunos, gerando ansiedade e levando ao uso de recursos que acabam mascarando os resultados das provas para sua função principal.
Explico: em vez de mostrar nas provas o que construíram em sua trajetória pelos bancos escolares, os alunos que puderem vão se valer de cursinhos paralelos, nos moldes dos pré-vestibulares. Os que não dispuserem de recursos para uma despesa extra ficam em desvantagem. E, então, a prova, perde força para medir o rendimento do ensino, pois não é capaz de filtrar as distorções desse modelo perverso. Perde-se um valioso instrumento de avaliação e mantém-se a juventude refém dessa insana competição classificatória.
Por que será que os alunos têm que recorrer a cursinhos para vencer os desafios da Educação Básica? Ou a educação é básica e a escola comum tem que dar conta desse recado, ou estamos querendo mais do que o básico como critério de seleção. Mas o problema não é só esse. É que nossas escolas, não atingindo o nível desejável de desempenho, não têm meios de descobrir suas deficiências, já que os resultados das avaliações saem tão mascarados que não servem de base para coisa nenhuma.
O Brasil precisa encontrar a solução para oferecer oportunidade e estimular o ingresso ao Ensino Superior, tendo por fundamento uma Educação Básica de qualidade e considerando as aptidões, competências, expectativas e interesses dos candidatos.
O que não podemos aceitar, acima de tudo, é o país perder o tempo e a energia empenhada na concepção de uma avaliação importante do Ensino Médio, desperdiçando seu potencial de contribuição para ações objetivas para a melhoria desse mesmo nível de ensino. É um absurdo avaliar uma coisa pensando em outra.
Vejam que não tratei das questões pontuais que ocupam as manchetes, os debates e as manifestações causadas pelos desastrados eventos do último fim de semana. É que, para mim, o foco da discussão está equivocado. Precisamos encontrar outras formas de vestibular democrático sem enfraquecer o Ensino Médio.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Votar faz lembrar e pensar...
Domingo, 31 de outubro, eu votei, como sempre, na minha zona eleitoral que fica no Colégio Santa Dorotéia.
Entrando no terreno do colégio, fui tomada pelas recordações. As magníficas instalações atuais dessa instituição não se parecem nem de longe com o querido educandário das freiras de Nossa Senhora de Sion, onde passei os anos de minha adolescência. Nos anos de 1950, havia apenas o corpo central da edificação, pois o prédio ficou inacabado durante todo o tempo em que lá estudei. Se faltava beleza e a necessária infraestrutura física, nada deixava a desejar em organização, limpeza, acolhimento e excelência na prestação do serviço: uma educação primorosa. Mais tarde, a congregação de Santa Dorotéia adquiriu as instalações e, com o fechamento do Sion de Belo Horizonte, ali instalou o atual colégio. Mas não é sobre isto que vou falar aqui.
Na parte mais baixa e úmida do terreno do colégio, cortada por um fio d´água, havia uma horta e uma plantação de morangos. Mère Rosélia, mesmo sem nos falar de sua origem – que, assim como seu verdadeiro nome de família, os votos religiosos proibiam de alardear – exercia com gosto o trato da plantação, deixando escapar, muito discretamente, o quanto os morangos fizeram parte de sua vida em casa, na fazenda de seus pais, no sul de Minas.
Mas não eram apenas morangos o que ali se cultivava. Boas maneiras, bons sentimentos e solidariedade eram parte do dia a dia. Não apenas entre nós, mas abrangendo as cercanias. Em pouco tempo, à medida que crescia a favela para além de onde agora é a rua Venezuela, começou a preocupação em proporcionar escolaridade às crianças que ali viviam.
Foi então construído, na área da propriedade, um pequeno prédio com duas salas de aula e entrada pela rua Chicago, onde passou a funcionar uma escolinha aos cuidados das freiras, com professoras enviadas pela Prefeitura. Em pouco tempo, a escolinha mostrou-se insuficiente, pois a população aumentava muito, subindo a montanha para o lado do oeste e formando a famosa favela do Morro do Papagaio.
Em 1953, criou-se então o Grupo Escolar Municipal Benjamin Jacob, ocupando uma área do terreno, onde viria a ser a confluência das ruas Venezuela e Assunção. Com salas amplas dispostas em forma de U, cozinha bem equipada, um galpão refeitório que também servia para as festas e um pátio para o recreio, dava frente para a favela, a rua ainda sem urbanização. Nós entrávamos pelo colégio, por um caminho rústico orlado por um bambuzal que contornava a horta e a plantação de morangos.
Eu estava no primeiro ano do Curso de Formação de Professoras e nós ajudamos a decorar e preparar o estabelecimento para sua inauguração. Com certeza outras trabalharam muito, mas só sei de mim e meu grupinho. Sob o comando de Mère Ana Lúcia, dedicamos o máximo capricho na arrumação das salas e da biblioteca, que ficou um primor, com figuras da literatura infantil recortadas em compensado e pintadas por mim, cartazes com desenhos de Zezé Aun e letreiros de Vera Nicolau da Rocha, uma artista do normógrafo (espero que vocês saibam o que é isto). Foi uma combinação promissora, pois eu me tornei professora, Vera bibliotecária e Zezé é artista plástica.
Essa escola municipal, uma das primeiras da capital que até então só contava com escolas públicas estaduais, foi o nosso campo de prática de ensino e onde levamos o choque da convivência direta com pessoas cujo modo de vida era tão diferente do nosso. Lições contundentes sobre pobreza, desnutrição, verminose, abandono, trabalho pesado, lares desestruturados, diferentes formas de organização familiar, moradias improvisadas e precárias. Foi lá que vislumbrei, aos poucos, com inocente perplexidade, a dimensão da importância da educação como recurso para a libertação do ser humano, para a superação das dificuldades da vida e para a conquista da inclusão social. Saí do colégio com um ideal que só poderia ser realizado como professora – e mais: professora de escolas públicas de periferia. Foi o que fiz durante os primeiros quinze anos e que orientou todas as etapas de minha vida profissional.
Na verdade, a recordação dessa parte da minha vida me leva a compreender as escolhas de uma outra menina que, mais de dez anos depois de mim – segundo depoimentos de suas colegas aos jornais - viveu sua adolescência nesse mesmo ambiente, estudando no mesmo colégio, participando das obras sociais que, em sua época, se ampliaram na região. Com a mesma motivação, os mesmos estímulos, fizemos nossas escolhas. Minhas referências e minhas leituras – de livros, de família e do mundo - provavelmente eram diferentes das dela, por isto escolhemos caminhos divergentes, ela na militância política, eu no magistério. E ela, mesmo sem meu voto, tornou-se agora, Presidente do Brasil.
Entrando no terreno do colégio, fui tomada pelas recordações. As magníficas instalações atuais dessa instituição não se parecem nem de longe com o querido educandário das freiras de Nossa Senhora de Sion, onde passei os anos de minha adolescência. Nos anos de 1950, havia apenas o corpo central da edificação, pois o prédio ficou inacabado durante todo o tempo em que lá estudei. Se faltava beleza e a necessária infraestrutura física, nada deixava a desejar em organização, limpeza, acolhimento e excelência na prestação do serviço: uma educação primorosa. Mais tarde, a congregação de Santa Dorotéia adquiriu as instalações e, com o fechamento do Sion de Belo Horizonte, ali instalou o atual colégio. Mas não é sobre isto que vou falar aqui.
Na parte mais baixa e úmida do terreno do colégio, cortada por um fio d´água, havia uma horta e uma plantação de morangos. Mère Rosélia, mesmo sem nos falar de sua origem – que, assim como seu verdadeiro nome de família, os votos religiosos proibiam de alardear – exercia com gosto o trato da plantação, deixando escapar, muito discretamente, o quanto os morangos fizeram parte de sua vida em casa, na fazenda de seus pais, no sul de Minas.
Mas não eram apenas morangos o que ali se cultivava. Boas maneiras, bons sentimentos e solidariedade eram parte do dia a dia. Não apenas entre nós, mas abrangendo as cercanias. Em pouco tempo, à medida que crescia a favela para além de onde agora é a rua Venezuela, começou a preocupação em proporcionar escolaridade às crianças que ali viviam.
Foi então construído, na área da propriedade, um pequeno prédio com duas salas de aula e entrada pela rua Chicago, onde passou a funcionar uma escolinha aos cuidados das freiras, com professoras enviadas pela Prefeitura. Em pouco tempo, a escolinha mostrou-se insuficiente, pois a população aumentava muito, subindo a montanha para o lado do oeste e formando a famosa favela do Morro do Papagaio.
Em 1953, criou-se então o Grupo Escolar Municipal Benjamin Jacob, ocupando uma área do terreno, onde viria a ser a confluência das ruas Venezuela e Assunção. Com salas amplas dispostas em forma de U, cozinha bem equipada, um galpão refeitório que também servia para as festas e um pátio para o recreio, dava frente para a favela, a rua ainda sem urbanização. Nós entrávamos pelo colégio, por um caminho rústico orlado por um bambuzal que contornava a horta e a plantação de morangos.
Eu estava no primeiro ano do Curso de Formação de Professoras e nós ajudamos a decorar e preparar o estabelecimento para sua inauguração. Com certeza outras trabalharam muito, mas só sei de mim e meu grupinho. Sob o comando de Mère Ana Lúcia, dedicamos o máximo capricho na arrumação das salas e da biblioteca, que ficou um primor, com figuras da literatura infantil recortadas em compensado e pintadas por mim, cartazes com desenhos de Zezé Aun e letreiros de Vera Nicolau da Rocha, uma artista do normógrafo (espero que vocês saibam o que é isto). Foi uma combinação promissora, pois eu me tornei professora, Vera bibliotecária e Zezé é artista plástica.
Essa escola municipal, uma das primeiras da capital que até então só contava com escolas públicas estaduais, foi o nosso campo de prática de ensino e onde levamos o choque da convivência direta com pessoas cujo modo de vida era tão diferente do nosso. Lições contundentes sobre pobreza, desnutrição, verminose, abandono, trabalho pesado, lares desestruturados, diferentes formas de organização familiar, moradias improvisadas e precárias. Foi lá que vislumbrei, aos poucos, com inocente perplexidade, a dimensão da importância da educação como recurso para a libertação do ser humano, para a superação das dificuldades da vida e para a conquista da inclusão social. Saí do colégio com um ideal que só poderia ser realizado como professora – e mais: professora de escolas públicas de periferia. Foi o que fiz durante os primeiros quinze anos e que orientou todas as etapas de minha vida profissional.
Na verdade, a recordação dessa parte da minha vida me leva a compreender as escolhas de uma outra menina que, mais de dez anos depois de mim – segundo depoimentos de suas colegas aos jornais - viveu sua adolescência nesse mesmo ambiente, estudando no mesmo colégio, participando das obras sociais que, em sua época, se ampliaram na região. Com a mesma motivação, os mesmos estímulos, fizemos nossas escolhas. Minhas referências e minhas leituras – de livros, de família e do mundo - provavelmente eram diferentes das dela, por isto escolhemos caminhos divergentes, ela na militância política, eu no magistério. E ela, mesmo sem meu voto, tornou-se agora, Presidente do Brasil.
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