sexta-feira, 1 de maio de 2015

RIGA, um encontro com a alegria

22 e 23 de maio de 2014: Riga

Nesta fase da viagem, já estamos à beira do Mar Báltico. Ao chegar a Riga, capital da Letônia, a sensação é de pisar um mundo mais leve, mais arejado, com menos amarras à dor e às pompas do passado. A idade avançada aparece no casario e nas pedras das ruas, mas o som, o ar mundano e as cores tornam esta cidade - o termo que me ocorre é: álacre. As palavras mais usuais e corriqueiras não conseguem, por si só, expressar o espírito que rege o modo de ser das coisas e das gentes em Riga. Ali, o ambiente é alegre, vivo, animado, colorido - em resumo, é álacre.  


A partir do pátio interno, as paredes de vidro ao redor,
com painéis de cor forte.

Começa pelo prédio do hotel: um caixote enorme todo revestido de vidro por fora no qual mesmo as paredes internas do saguão são transparentes ou espelhadas, provocando sensações esquisitas, pois às vezes é difícil saber se estamos vendo o outro ambiente através do vidro ou se é o reflexo pelo espelho.
Todos os andares têm vista para o vão interior do prédio, onde fica um pátio com mesinhas de bar.
Mas o mais fascinante é mesmo a rua. Música o tempo todo, gente com roupas de cores alegres, muito short e camisetas bem ao sabor do verão. De manhã é fresquinho mas à tarde faz bastante calor, um convite a sair de casa, a conviver, cantar, dançar.
Piano montado em carroceria de automóvel.
Bares de aparência bizarra, decoração espalhafatosa, inferninhos anunciando atrações apimentadas. Foi o que pudemos ver no próprio dia de nossa chegada, pois a tarde que se faz bem longa é propícia a uma primeira exploração do ambiente.
Uma pequena excursão pela rua principal e uma refeição ligeira já nos causam uma primeira impressão bem contrastante com as cidades e lugares que acabamos de visitar.  Aqui é a morada da alegria. Vamos dormir bem animados e curiosos de conhecer melhor esta cidade intrigante. 
Riga é habitada por uma maioria russa, sendo apenas 42% de letões.
Aqui se vende o Black Magic, um licor que cura qualquer
indisposição - salvou a Rainha de grande embaraço. 
Pelas entrelinhas de comentários locais me pareceu que essa forma de composição demográfica foi adotada estrategicamente nos tempos da União Soviética. Os russos não se dão sequer o trabalho de aprender o idioma letão, formando, portanto, uma casta à parte na sociedade do país. Esse estratagema já trazia em si, consciente ou não, a possibilidade de uma reconquista, como é o caso em curso na Ucrânia, revelando a vocação imperial da velha Rússia. 






Riga é um porto no Mar Báltico junto à foz do rio Daugava e é banhada também pelo rio Ridzene, este último antigamente denominado Riga, que deu seu nome à cidade, originária de um assentamento da tribo bárbara dos livônios. O nome Riga é mais conhecido no Brasil como designação da madeira que, saindo por esse porto, era antigamente importada dessa região - o precioso “pinho de riga” disponível hoje apenas no comércio de material de demolição. 
A cidade foi fundada nesse local, no século XII, por comerciantes e cruzados atraídos pela localização favorável ao mercado e pelo desejo missionário de realizar conversões ao cristianismo. A maioria dos letões é formada de protestantes ou católicos romanos. Os russos em geral professam a religião Ortodoxa Russa, cujas igrejas permanecem fechadas à visitação. 


De manhã, no dia 23, saímos com o guia local, um letão simpático que nos fala em espanhol, a percorrer as ruas e praças da cidade antiga. Trata-se de uma cidade com muitas construções conservadas intactas desde a Idade Média, mas que se orgulha de seus edifícios dos séculos mais românticos, ditos comparáveis aos de Paris, Viena e Barcelona. São relíquias com a interpretação local de art-nouveau, localizados nos bairros tradicionais que abrigam algumas das mais importantes embaixadas do país.
Prédio da Prefeitura

No entanto, o que impressiona com mais força são as cores e formas dos prédios ancestrais carregados de história e de lendas, nas praças floridas e nas vielas tortuosas, que compõem o Centro Histórico declarado, pela UNESCO, Patrimônio Cultural da Humanidade.
O prédio da Prefeitura é um exemplar curioso, cor de abóbora, de forma bizarra, que já foi sede de uma associação medieval denominada “Cabeças Negras”, cujo patrono, era um santo africano - São Maurício.
Na foto, um pássaro pousado na ponta do rabo do gato
A Casa do Gato




No alto de outro edifício, pode-se ver a escultura de um gato, cuja história hilariante acabou por transformá-lo em mascote ou símbolo da cidade. Em todas as lojas há reproduções desse gato com variações de material e tamanho, para vender aos turistas. Conta-se que o prédio foi construído por um rude lavrador que tinha feito fortuna recentemente pela força de seu trabalho bem-sucedido no campo. Desejoso de ser aceito na sociedade abastada tradicional da cidade, depois de instalado no seu palacete, tentou ingressar no clube mais aristocrático da cidade, localizado no prédio fronteiro.

Espalhados pelas calçadas, esculturas de
 patos e outros animais montados com pedras 


Naturalmente, pelos costumes da época, seu pedido foi negado. Indignado, o homem plantou no alto de seu telhado, uma imagem de gato com a cauda levantada e o traseiro voltado para as janelas do dito clube. Impossibilitados de evitar a visão provocadora, os associados acabaram por ceder e acolheram o novo-rico em sua convivência, que, afinal mostrou-se muito agradável e interessante. O gato permanece no telhado até hoje, mas com o traseiro voltado para o lado oposto.





Admiro esse povo interessante e criativo, capaz de se expressar com humor e sutileza! Vejam este enorme caramujo, como outros espalhados pela cidade. Cada esquina e praça tem um, cada um de uma cor.Trata-se de um protesto contra a lerdeza do governo que não cumpre a promessa de inaugurar um museu de arte moderna a tempo de compor programação cultural prevista para esse ano, na comemoração de uma data importante para a história da cidade. 
Um trombone e uma sanfoninha, na
Aquarela do Brasil























Na rua convivem o ritmo forte do rock pauleira e, numa esquina, um som da maior suavidade, tocado por uma jovem solitária. Também encontramos um pequeno conjunto musical dedicado a agradar os turistas tocando músicas de suas terras de origem. Para nós, foi a Aquarela do Brasil de Ari Barroso. 




A praça central foi construída sobre as águas canalizadas de um ribeirão. Para preservar a memória da natureza modificada, o projeto paisagístico apresenta flores azuis e brancas plantadas em linhas sinuosas, simbolizando o movimento das águas suprimidas da paisagem. 
O passeio matinal termina com almoço num excelente restaurante de comida a quilo, o Lido. Coquetéis de frutas de todas as cores dão um toque festivo ao ambiente. Tudo muito bonito e gostoso.

Depois olhamos artesanato  - cerâmica e âmbar falso - em barraquinhas de rua  e visitamos a respeitável Loja do Linho, uma profusão de mercadorias da mais alta qualidade, roupa de cama e mesa, mantas e chales, tudo lindo, bem apresentado e acondicionado. Difícil resistir à vontade de comprar.  
Para completar, sufocadas pelo calor intenso da tarde, ao preço de 20 euros, eis-nos a bordo de um bendito riquixá conduzido por um deus grego semi-nu, um sucesso! Ao saber que somos brasileiras, ele põe, no som de seu celular, nada menos do que Joelma e Chimbinha, da Banda Calipso, entre ritmos baianos de axé! Pode, em plena Letônia?
Assim somos conduzidas ao Hotel, para um merecido descanso refrescante, a fim de estar em condições de sair à noite para comemorar o aniversário do Gui, genro de Elayse, paciente e gentilíssimo comandante de nosso pequeno grupo. Merecida homenagem, feita com carinho e descontração.
O porteiro, em trajes de época


















O restaurante medieval foi escolhido a dedo para a ocasião, por sua originalidade. As iguarias - explica o cardápio - são feitas com ingredientes e técnicas originais da Idade Média. Para maior realismo, o ambiente aconchegante é iluminado com velas, à meia luz. Não há porém ar refrigerado e a luz das velas ilumina pouco e aquece muito, decoração adequada à proposta da casa, mas que traz certo desconforto, apesar do romantismo. Mesmo assim, que noite agradável, que vinho bom e que comida especialmente saborosa! 
Uma verdade se impõe: com esses companheiros, não há tempo ruim!



Ao sair do restaurante, às 11 horas, (vejam a foto!) o céu está bem claro, ainda não anoiteceu, mas o aniversário do Gui está terminando! Guilherme, parabéns!
Assim, damos boa noite a Riga, cidade realmente encantadora! Ainda temos uma longa viagem amanhã pelas estradas da Letônia, em direção à Estônia.