domingo, 22 de março de 2015

Da Lituânia à Letônia - lições de História.



22 de maio de 2014: um dia na estrada

Saindo de Vilnius pouco depois das oito horas da manhã, rumo noroeste em direção à Letônia, ainda temos pela frente muito chão lituano. E nesse caminho, novas experiências nos esperam. Em muitos pontos da estrada, o corredor de pinheiros é substituído por vastos campos floridos de canola.
Nessa altura da viagem, o grupo já está mais entrosado e especialmente animado com a descoberta de que é aniversário de nossa companheira Elayse. Ela, com discrição e elegância, conquista a todos e recebe, modestamente, grandes declarações de admiração.
Aniversariante do dia, elegância e simpatia na hora do almoço.
Esse ambiente descontraído e festivo muito contribui, pelo contraste, para o choque da surpresa que nos aguarda, na forma de uma paisagem realmente impactante: a Colina das Cruzes, principal motivo da fama de Siauliai, a quarta maior cidade da Lituânia. Não visitamos a cidade propriamente, pois o ônibus nos deixa diretamente na área da Colina. O número exato de cruzes é desconhecido; estima-se, todavia, que em 2006 já superava 100 mil.
Que espetáculo surpreendente, diferente de tudo: um terreno coberto de cruzes sobre as quais não há entendimento quanto a sua quantidade, realmente impossível de contar. Cruzes e crucifixos de todo tipo de material, tamanho e feitio cobrem toda a pequena elevação do terreno, mas esse número cresce sem parar, pois a cada dia mais e mais exemplares são plantados no chão, pendurados em cercas e galhos de árvores, junto com imagens, terços e outros objetos de inspiração religiosa.


Muitas lendas misturadas a fatos históricos tentam explicar a origem e o desenvolvimento desse fenômeno. O que fica claro em todas as narrativas é que as primeiras cruzes remontam a tempos muito remotos e eram realmente manifestações de cunho religioso, como por exemplo, a história de um pai que ali erigiu um pequeno altar com uma cruz em agradecimento pela recuperação de sua filha doente. O gesto foi reproduzido solidariamente por seus amigos e vizinhos. Outros dão conta do aparecimento das cruzes no século XIX, não apenas como ato religioso, mas também político - manifestação silenciosa de famílias católicas contra o domínio czarista. As cruzes representavam os entes queridos dos lituanos que lutavam pela libertação do país, deportados para a Sibéria por ordem do Czar, sabendo-se que jamais retornariam a seus lares e nem seria possível localizar seus túmulos.
No século XX, essa expressão de rebeldia cresceu como arma pacífica de protesto e luta, quando o governo soviético proibiu as manifestações religiosas e mandou destruir as cruzes. Cada vez que eram destruídas, o povo, determinado a preservar suas tradições, as repunha imediatamente. A cada manhã, como por magia, lá estavam elas e muitas mais a desafiar a autoridade repressora. Com a independência da Lituânia essa tradição se fortaleceu, mantida como símbolo da luta do povo pela liberdade. Emocionante.

Pela singularidade e força de seu impacto estético e emocional, a colina atualmente é inegável atração turística. Nesse sentido e pelo significado histórico, pode render muito dinheiro para a Lituânia, mas também, sem dúvida, inspirar tantos debates e controvérsias quantas venham a ser as cruzes fincadas na colina, acrescidas diariamente das que são vendidas na feira junto ao estacionamento dos ônibus.


Em 1999, o Papa João Paulo II esteve no local e deixou a seguinte mensagem, atualmente gravada em lituano, de um lado, e em inglês, de outro, no monumento comemorativo dessa visita: 
" AGRADEÇO AOS LITUANOS ESTA COLINA DE CRUZES QUE ATESTA PARA AS NAÇÕES DA EUROPA E PARA O MUNDO TODO A FÉ DO POVO DESTE PAÍS" João Paulo II, 7.9.1993
Esta foi nossa última parada em território lituano. Seguindo viagem, entramos na Letônia, onde somos introduzidos no fausto mundo da nobreza e do poderio imperial russo. Situado 79 Km antes de Riga, nosso destino final do dia, encontramos o castelo de Rundale, um dos maiores bens históricos da Letônia e o mais importante palácio no estilo barroco do país.
Percorrendo jardins floridos e à sombra de árvores centenárias, somos primeiro conduzidos a um restaurante existente no local, para um almoço previamente encomendado. À sobremesa levantamos um brinde alegre e afetuoso à aniversariante Elayse, prima a quem devo a felicidade do convite para participar desta excursão.
O castelo de Rundale foi projetado por Francesko Bartolomeu Rastrelli, famoso arquiteto francês residente na Russia, A construção se deu de 1735 a 1740 para servir de residência de verão do Duque da Curlândia, Ernst Johann Von Biron. Imagina-se como deve ter sido difícil essa construção, em lugar ermo onde na época não havia estradas, artesãos nem material de construção de qualidade. Mais de mil operários russos foram contratados para a empreitada, utilizando tijolos fabricados no próprio local.
Em volta do palácio foram plantadas tílias, castanheiras e carvalhos, somando perto de 370.000 mudas de árvores. Em 1740, o dono do palácio Conde Biron passou a regente do Império Russo, mas acabou condenado à morte. No entanto veio a conseguir revisão da pena e, por isso, foi deportado para a Sibéria e teve seus bens confiscados.  Quando Pedro III tornou-se Imperador da Rússia, em 1762, os bens e títulos foram devolvidos a Biron e o palácio foi reconstruído em estilo rococó. 
Mas as propriedades privadas naquela região têm tido história sempre incerta e instável. Em 1795 Catarina, a Grande, deu o castelo de presente ao Príncipe Zubov, como era seu costume. Dizem as más línguas que essa poderosa Imperatriz tinha muitos “amigos do coração”. E quando se cansava de algum deles, entregava-lhe uma porção de terra de seu imenso império para explorar e governar, dava-lhe um belo castelo suntuoso e, assim o mantinha a distância, vaidoso e agradecido!
Por ocasião da I Guerra Mundial os alemães transformaram o palácio em hospital militar, mas em 1919 durante a guerra civil da Letônia, Rundale foi parcialmente destruído. Em seguida à guerra e com a vitória da revolução comunista o castelo foi confiscado pelo regime soviético. No palácio funcionou ainda uma escola primária e também foi sede de uma associação de pessoas mutiladas pela guerra. Em 1972 foi restaurado e transformado em museu. 
Com a independência da Letônia, o palácio tem sido regularmente restaurado e recebe cuidadosa manutenção.

O acervo do museu palácio contém além do mobiliário, rica coleção de porcelanas, cristais, pinturas e salas belíssimas. Uma capela guarda em sarcófagos os restos mortais dos moradores do palácio. Também existem peças de vestuário de diferentes datas e salas de refeição que exibem mesas postas com toalhas e serviços completos de época.

Lá fora, os belos jardins de desenho francês imitam com beleza e amplitude o modelo de Versailles.

Caminhando entre canteiros, no cair da tarde, é possível apreciar as cegonhas, aves símbolo da Letônia, recolhendo-se aos ninhos no alto dos telhados.
No entanto, ainda há muitas horas do dia pela frente. Pois neste país, nesta época do ano, com a aproximação do verão, os dias já são bem longos e as noites muito curtas. Aqui só se faz noite escura depois das 23 horas e o dia amanhece às 5 horas! É preciso tomar cuidado de cerrar bem as cortinas, para ter uma boa noite de sono e não se deixar enganar pela luminosidade precoce da manhã. 

Dando o castelo por visitado e bem visto - e gratos pelo que aquelas paredes nos ensinaram da instabilidade da História e da riqueza humana - seguimos viagem para Riga, capital deste país fascinante, a Letônia que parecia tão distante nos mapas da Europa do meu Atlas Escolar.