terça-feira, 30 de setembro de 2014

Varsóvia, música e lembranças de guerra

19 de maio de 2014
Um dia é pouco para conhecer Varsóvia
Uma cidade variada, carregada de passado, impulsionada pela vontade férrea de um povo que acredita no valor de seu patrimônio histórico e artístico. As ruas são limpas e bem cuidadas. O único detrito que se lança ao chão, sem cerimônia, é a guimba de cigarros. Estranho... em todas as ruas, pedacinhos de cigarro não são notados à primeira vista, mas, prestando atenção, lá estão eles, jogados nos gramados e nas calçadas. 
Fico sempre atenta ao transporte coletivo das cidades que visito. Os ônibus urbanos de Varsóvia são grandes e trafegam silenciosamente nas avenidas em sua faixa própria. 
Uma linda cidade, com prédios antigos - ainda que não sejam todos originais, pois muitos deles foram quase inteiramente reconstruídos - que convivem com outros de arrojada arquitetura contemporânea. Este, aqui ao lado, todo espelhado, localiza-se no final de uma avenida ampla e forma um portal de acesso à praça da biblioteca. Reflete os prédios tradicionais ao seu redor, criando uma notável ilusão de ótica. 
Mas comecemos do início: na véspera, quando chegamos ao Raddisson Hotel, no centro de Varsóvia, lá nos esperava o guia, um espanhol chamado Antonio, que nos acompanharia na primeira metade da excursão. Ele nos avisou que viria chuva e muito frio, melhor seria estar sempre bem agasalhados. O clima local não confirmou esse prognóstico e tivemos belos dias de sol e calor moderado. Salvo essa falha desculpável, pois nem os serviços meteorológicos entendem muito bem as variações do tempo, tivemos uma boa assistência da SATO, a empresa turística que nos levaria pelas estradas dos países bálticos. 
Ônibus grande e confortável, com lugar para mais de quarenta passageiros, acolheu-nos folgadamente - os primeiros doze participantes da primeira etapa. Éramos oito brasileiros, (sendo quatro mineiros -nós - e dois casais de paulistas) e um grupo de quatro amigas peruanas que têm o costume de, uma vez por ano, deixar suas famílias para viajar juntas pelo mundo. Duas moram em Lima, uma em Miami e outra em Genebra, como tradutora de língua espanhola.
Na manhã do dia 19.05, o ônibus estacionou na porta do Hotel às 9 horas para nos levar a um “tour” de reconhecimento da bela capital da Polônia. Quando andamos de ônibus pela cidade parece que a estamos conhecendo, mas, depois, se saímos a pé, verificamos que a visão geral pouco adiantou para nos localizar e nos fazer compreender a verdadeira dimensão da cidade. Mas foi um belo passeio, com paradas estratégicas em pontos mais representativos do local. No entanto, a parte mais bonita e rica deve ser feita a pé, pisando as pedras centenárias de ruas e vielas cheias de história e emoção.
A primeira parada do ônibus foi nas proximidades do Parque Lazienki, uma maravilha verde plantada à margem de uma avenida larga. Além da beleza natural de jardins bens cuidados e árvores frondosas, o ponto principal do parque é o monumento a Chopin, o músico polonês cultuado como verdadeiro herói nacional. Uma bela escultura junto ao gramado e ao lago central mostra a reverência pela arte romântica daquele que fez sucesso em Paris mas nunca se esqueceu da terra natal, lembrada nos acordes vigorosos de várias Polonaises, peças musicais admiradas no mundo inteiro, rivalizando em popularidade com seus suaves prelúdios, sonatas, valsas, noturnos, estudos e improvisos de melodiosa sonoridade e harmonia. 

Para nosso encantamento, ao acionar um dispositivo digital num dos bancos do jardim, pudemos ouvir, numa gravação de alta qualidade, algumas das mais famosas peças musicais desse compositor. Para mim, especialmente, foi um momento de doces recordações, pois desde muito cedo sou admiradora de Chopin, não só por causa das músicas de minhas remotas aulas de piano, mas pela recordação de um dos primeiros filmes de longa-metragem que assisti quando criança, “À noite sonhamos”, com Cornel Wilde no papel de Frédéric Chopin e Merle Oberon, representando a sedutora novelista francesa George Sand. (pseudônimo de Amandine Dupin)
Depois, de ônibus, chegamos  ás proximidades do Gueto de Varsóvia, onde fica um monumento à resistência dos judeus às atrocidades nazistas. Fica no centro de uma praça, na qual são realizados diversos eventos carregados de emoção e reverência. Vimos também o monumento a Copérnico na rua Krakowskie Przedmiescle (que idioma!) e passamos perto da entrada do Jardim Botânico.

Em seguida chegamos à Praça do Mercado, centro da Cidade Antiga, cercada de belos edifícios medievais, onde, vendo as barraquinhas de toldo branco, reconhecemos o local que visitamos na véspera. Dali fomos a pé ao mirador que se debruça sobre o rio Vístula, a “praia” de Varsóvia, em nada semelhante ao que aqui se chama de praia: uma larga esplanada na margem do rio, coberta de relva rasteira, onde deve ser agradável fazer um piquenique dominical. Mas era segunda-feira, não havia ninguém curtindo a mansidão das águas nem o bucolismo da paisagem.
 O ônibus nos recolheu ali e levou-nos até à Praça do Castelo, com "pausa hidráulica" na estação do metrô e muitas fotos. A praça é ampla e bonita. Cena comum nas cidades europeias, muitas crianças, em fila, acompanhadas de professoras, entram e saem de prédios antigos que abrigam museus e bibliotecas. O Palácio Real, um prédio vermelho, destruído pela guerra, como quase todos os edifícios antigos desta cidade, foi quase totalmente reconstruído e atualmente é um museu. 
Daí em diante, o caminho se faz somente a pé. 
Passamos pelo monumento à Sereia, armada de escudo e espada, para defender a Polônia de invasores, segundo reza a lenda. A sereia é um dos símbolos de Varsóvia e não existe apenas esta que aparece na foto ao lado. Há pelo menos mais uma. A diferença entre elas está na cauda: uma tem cauda de peixe, como convém às sereias, outra tem duas caudas de serpente, enroscadas como se fosse um dragão. (A Wikipedia conta muitas histórias a respeito).  Neste ponto a excursão se dispersa, começa a tarde livre. Nosso grupo de quatro vai se aventurar a caminhar por si só, capitaneado por Tucha de mapa em punho à cata de atrações turísticas indicadas em um livrinho que Elayse consultara à noite, no hotel.

Passando sob os arcos da fortaleza medieval de tijolos cor de terra, 90% destruído na guerra e  de reconstrução recente, chegamos a uma rua tranquila, em que convivem igrejas, bares com mesas ao ar livre, vendas de lembranças típicas e uma loja de porcelanas de variados coloridos e desenhos. Pausa para descanso e uma coca-cola gelada, para ter certeza de estarmos no século XXI. Outro indicativo dos tempos modernos: furtaram a carteira com alguns euros e documentos de uma das companheiras peruanas. Nada é perfeito. 
Junto ao muro do Centro Histórico, à sombra de uma árvore, à custa de muito procurar, encontramos uma pequena estátua que comove: trata-se de um menino vestido de soldado, o pequeno rebelde de Varsóvia. Com capacete muito acima de seu número e fuzil próprio de soldados adultos, ele simboliza as crianças que acompanharam seus pais no Levante de Varsóvia contra os algozes alemães no verão de 1944, antecipando ali a derrocada do poderio nazista e prenunciando o fim da Segunda Guerra Mundial. 

Em seguida, percorrendo uma avenida larga, onde fica o Hotel Ibis, (numa praça que denominada Umschlagplatz - fácil de ler, não?), deparamos com uma surpresa impactante: um monumento lúgubre, escuro, com a aparência de escombros de um terrível incêndio. Era um vagão de estrada de ferro, coberto de dezenas de cruzes amontoadas, tisnadas como lenha queimada. Simboliza os vagões nos quais os prisioneiros judeus eram confinados e levados até os campos de concentração, condenados à morte da maneira mais infame, sem culpa formalizada nem julgamento. Nos dormentes que cobrem o canteiro central da avenida, estão gravados os nomes das vítimas que a cidade não pode e não quer esquecer. Emocionante e triste. 
Em contrapartida foi muito agradável deparar com a simplicidade da biblioteca que funciona em um prédio tradicional onde anteriormente teria sido o Palácio da Justiça, este transferido para uma construção moderna do outro lado da praça. O inusitado, no gramado fronteiro, eram os cavalos alados em metal pintado de cores fortes, uma decoração ingênua e lúdica que talvez seja alusiva a figuras da literatura polonesa e muito apropriada para uma biblioteca, salvo melhor juízo!
Enfim retornamos à Praça do Mercado, para saborear um almoço de filé com fritas, debaixo de um toldo ao ar livre.  Foi então que aproveitamos para fotografar aquele restaurante onde jantamos na véspera, aquela foto do post anterior- lembram? Depois fomos tratar do vil metal, ou seja, fazer o câmbio em que troquei 50 euros por 160$ lituanos, em preparação ao nosso destino do dia seguinte. Já fatigados de tanta andança, rumamos ao hotel para descansar, pois o dia aqui é longo e temos concerto  de piano à noite.

O ônibus da excursão nos levou às 20 horas, com o sol ainda bem alto, ao auditório para ouvir músicas de Chopin, lindamente executadas por uma pianista muito jovem de mãos abençoadas. Um cálice de espumante no intervalo e a compra de um CD que merece ser ouvido, sugerem a reflexão de que a Polônia sabe mostrar aos turistas e valorizar a arte, a história e o artista da terra. Durante esse evento, nosso grupo foi acrescido de duas jovens paranaenses, irmãs, ambas casadas e residentes em Curitiba, recém chegadas de Paris onde estiveram por uma semana. Amanhã, a caminho da Lituânia, seremos 14 na excursão.
O dia de Varsóvia se encerrou com o jantar num restaurante de decoração rural, próximo ao hotel, e minha feliz escolha foi cod fish com risoto de aspargos. Não é que eu seja boa em culinária, mas sei apreciar um bom prato. Valeu!
Não se pode dizer que conhecemos Varsóvia, mas vimos o suficiente para recordar, com respeito e admiração, essa cidade e seu povo sofrido e corajoso.