Um dia é pouco para conhecer Varsóvia
Uma cidade variada, carregada de passado, impulsionada pela vontade férrea de um povo que acredita no valor de seu patrimônio histórico e artístico. As ruas são limpas e bem cuidadas. O único detrito que se lança ao chão, sem cerimônia, é a guimba de cigarros. Estranho... em todas as ruas, pedacinhos de cigarro não são notados à primeira vista, mas, prestando atenção, lá estão eles, jogados nos gramados e nas calçadas.
Fico sempre atenta ao transporte coletivo das cidades que visito. Os ônibus urbanos de Varsóvia são grandes e trafegam silenciosamente nas avenidas em sua faixa própria.
Uma linda cidade, com prédios antigos - ainda que não sejam todos originais, pois muitos deles foram quase inteiramente reconstruídos - que convivem com outros de arrojada arquitetura contemporânea. Este, aqui ao lado, todo espelhado, localiza-se no final de uma avenida ampla e forma um portal de acesso à praça da biblioteca. Reflete os prédios tradicionais ao seu redor, criando uma notável ilusão de ótica.
Mas comecemos do início: na véspera, quando chegamos ao Raddisson Hotel, no centro de Varsóvia, lá nos esperava o guia, um espanhol chamado Antonio, que nos acompanharia na primeira
metade da excursão. Ele nos avisou que viria chuva e muito frio, melhor seria
estar sempre bem agasalhados. O clima local não confirmou esse prognóstico e
tivemos belos dias de sol e calor moderado. Salvo essa falha desculpável, pois nem
os serviços meteorológicos entendem muito bem as variações do tempo, tivemos
uma boa assistência da SATO, a empresa turística que nos levaria pelas estradas
dos países bálticos.
Ônibus grande e confortável, com lugar para mais de quarenta
passageiros, acolheu-nos folgadamente - os primeiros doze participantes da primeira
etapa. Éramos oito brasileiros, (sendo quatro mineiros -nós - e dois casais de
paulistas) e um grupo de quatro amigas peruanas que têm o costume de, uma vez
por ano, deixar suas famílias para viajar juntas pelo mundo.
Duas moram em Lima, uma em Miami e outra em Genebra, como tradutora de língua
espanhola.
Na manhã do dia 19.05, o ônibus estacionou na porta do Hotel
às 9 horas para nos levar a um “tour” de reconhecimento da bela capital da
Polônia. Quando andamos de ônibus pela cidade parece que a estamos conhecendo,
mas, depois, se saímos a pé, verificamos que a visão geral pouco adiantou para
nos localizar e nos fazer compreender a verdadeira dimensão da cidade. Mas foi um belo passeio, com paradas estratégicas em pontos
mais representativos do local. No entanto, a parte mais bonita e rica deve ser
feita a pé, pisando as pedras centenárias de ruas e vielas cheias de história e
emoção.
A primeira parada do ônibus foi nas proximidades do Parque
Lazienki, uma maravilha verde plantada à margem de uma avenida larga. Além da
beleza natural de jardins bens cuidados e árvores frondosas, o ponto principal
do parque é o monumento a Chopin, o músico polonês cultuado como verdadeiro herói nacional. Uma bela escultura junto ao gramado e ao lago central mostra a reverência pela arte romântica daquele que fez sucesso em
Paris mas nunca se esqueceu da terra natal, lembrada nos acordes vigorosos
de várias Polonaises, peças musicais
admiradas no mundo inteiro, rivalizando em popularidade com seus suaves prelúdios, sonatas, valsas, noturnos, estudos e improvisos de
melodiosa sonoridade e harmonia.
Para nosso encantamento, ao acionar um dispositivo digital num dos bancos do jardim, pudemos ouvir, numa gravação de alta qualidade, algumas das mais famosas peças musicais desse compositor. Para mim, especialmente, foi um momento de doces recordações, pois desde muito cedo sou admiradora de Chopin, não só por causa das músicas de minhas remotas aulas de piano, mas pela recordação de um dos primeiros filmes de longa-metragem que assisti quando criança, “À noite sonhamos”, com Cornel Wilde no papel de Frédéric Chopin e Merle Oberon, representando a sedutora novelista francesa George Sand. (pseudônimo de Amandine Dupin)
Depois, de ônibus, chegamos ás proximidades do Gueto de Varsóvia, onde fica um
monumento à resistência dos judeus às atrocidades nazistas. Fica no centro de uma praça, na qual são realizados diversos eventos carregados de emoção e reverência. Vimos também o monumento a Copérnico na rua Krakowskie Przedmiescle (que idioma!) e passamos perto da entrada do Jardim Botânico.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjswIMGOozfjrqPN6PpNBpS54gjd3jIO-fRVU-cdiyssB-gK4KAYIHvu2WaP-oahcG1M6CI4SmHV1VLW1pv2VKkqFC3DzLJ1a0Q9UwMk1UTY6g1lo8I1gZIxE7gHXPq7jc2ECXs424vZq4R/s1600/2014-05-19+06.25.49.jpg)
Em seguida chegamos à Praça do Mercado, centro da Cidade
Antiga, cercada de belos edifícios medievais, onde, vendo as barraquinhas de toldo branco, reconhecemos o local que
visitamos na véspera. Dali fomos a pé ao mirador que se debruça sobre o rio
Vístula, a “praia” de Varsóvia, em nada semelhante ao que aqui se chama de
praia: uma larga esplanada na margem do
rio, coberta de relva rasteira, onde deve ser agradável fazer um piquenique
dominical. Mas era segunda-feira, não havia ninguém curtindo a mansidão das
águas nem o bucolismo da paisagem.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjdmM_eOCrHb9bfsDJ4lsc1idY9Yg8U83gmpl_mAsuDj1DoXDjC0JShPv4tXFE7htjXwngVM9gWijtf_8usDL2Jg0sZ13OV90VOwddNPw-GBLvGQ3MmmgR0MZ0t6G_ryx3CVCcbLInNwvA/s1600/2014-05-19+06.15.21.jpg)
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg13xCIY_YfHLJ88lDVhFKgxCOLVzuvH_6Cv3XVlbRPeiunj2kNsNlj5IG2GJhGoP39Nt1NIO55DMMWdg0bnGIICIkL8RefHQbXo-0UxMvwbrYywdaBTJnKrcbV4vkmK05IkOuM_L8zui0V/s1600/2014-05-19+06.16.43.jpg)
Daí em diante, o caminho se faz somente a pé.
Passamos pelo
monumento à Sereia, armada de escudo e espada, para defender a Polônia de
invasores, segundo reza a lenda. A sereia é um dos símbolos de Varsóvia e não
existe apenas esta que aparece na foto ao lado. Há pelo menos mais uma. A diferença entre elas está
na cauda: uma tem cauda de peixe, como convém às sereias, outra tem duas caudas
de serpente, enroscadas como se fosse um dragão. (A Wikipedia conta muitas
histórias a respeito). Neste ponto a
excursão se dispersa, começa a tarde livre. Nosso grupo de quatro vai se aventurar a caminhar por si só, capitaneado por Tucha de mapa em punho à cata de atrações turísticas indicadas em um livrinho que Elayse consultara à noite, no hotel.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjkSijHucN3YBiOvTfJaxymmV-F-A2mHaaUIcGbYvAjFBP3W_Yyo9rNylfgyNu0r1zpk5hVx7JCbKJx5dVebz5oGoVLY41P_bPoK2dCedcDXqqkMI_owj4FToeCJ_VKsS7LquXNjSl_Rnln/s1600/2014-05-19+09.40.15.jpg)
Em seguida, percorrendo uma avenida larga, onde fica o Hotel Ibis, (numa praça que denominada Umschlagplatz - fácil de ler, não?), deparamos com uma surpresa impactante: um monumento lúgubre, escuro, com a aparência de escombros de um terrível incêndio. Era um vagão de estrada de ferro, coberto de dezenas de cruzes amontoadas, tisnadas como lenha queimada. Simboliza os vagões nos quais os prisioneiros judeus eram confinados e levados até os campos de concentração, condenados à morte da maneira mais infame, sem culpa formalizada nem julgamento. Nos dormentes que cobrem o canteiro central da avenida, estão gravados os nomes das vítimas que a cidade não pode e não quer esquecer. Emocionante e triste.
Em contrapartida foi muito agradável deparar com a simplicidade da biblioteca que funciona em um prédio tradicional onde anteriormente teria sido o Palácio da Justiça, este transferido para uma construção moderna do outro lado da praça. O inusitado, no gramado fronteiro, eram os cavalos alados em metal pintado de cores fortes, uma decoração ingênua e lúdica que talvez seja alusiva a figuras da literatura polonesa e muito apropriada para uma biblioteca, salvo melhor juízo!
Enfim retornamos à Praça do Mercado,
para saborear um almoço de filé com fritas, debaixo de um toldo ao ar livre.
Foi então que aproveitamos para fotografar
aquele restaurante onde jantamos na véspera, aquela foto do post anterior- lembram? Depois fomos tratar do vil metal, ou seja, fazer o câmbio em que troquei 50 euros por 160$ lituanos, em preparação
ao nosso destino do dia seguinte. Já fatigados de tanta andança, rumamos ao hotel para descansar, pois o dia aqui
é longo e temos concerto de piano à noite.
O ônibus da excursão nos levou às 20 horas,
com o sol ainda bem alto, ao auditório para ouvir músicas de Chopin,
lindamente executadas por uma pianista muito jovem de mãos abençoadas. Um cálice de espumante no intervalo e a compra de um CD que merece ser ouvido, sugerem a reflexão de que a Polônia sabe mostrar aos turistas e valorizar a arte, a história e o artista da terra. Durante esse evento, nosso grupo foi acrescido de duas
jovens paranaenses, irmãs, ambas casadas e residentes em Curitiba, recém chegadas de Paris onde estiveram por uma semana. Amanhã, a
caminho da Lituânia, seremos 14 na excursão.
O dia de Varsóvia se encerrou com o jantar num restaurante de decoração rural, próximo ao hotel, e minha feliz escolha foi cod fish com risoto de aspargos. Não é que eu seja boa em culinária, mas sei
apreciar um bom prato. Valeu!![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEil3Pbk88-xOLJ8t2iki7OejnF9tA35w_qC_VARp3J08w54AG6XmpYnoEzpHK9JxOhrDFMVIqCibEaMw5PzGLrmeIpA20zzMeUDCzJswM56J_LAzWOEaQ0HyT75xr3CYE90zu38AGnahsqD/s1600/2014-05-19+20.10.27.jpg)
Não se pode dizer que conhecemos Varsóvia, mas vimos o suficiente para recordar, com respeito e admiração, essa cidade e seu povo sofrido e corajoso.